segunda-feira, 23 de maio de 2016

ELES NÂO DEIXAM A QUEM NÂO QUEREM



PIORES QUE VAMPIROS


"O pensador é antes de
tudo dinamite, um
aterrorizante explosivo
que põe em perigo o
mundo inteiro"

Nietzsche











VAMPIROS
José Afonso

No céu cinzento sob o astro mudo
Batendo as asas Pela noite calada
Vêm em bandos Com pés veludo
Chupar o sangue Fresco da manada
Se alguém se engana com seu ar sisudo
E lhes franqueia As portas à chegada
Eles comem tudo Eles comem tudo
Eles comem tudo E não deixam nada [Bis]
A toda a parte Chegam os vampiros
Poisam nos prédios Poisam nas calçadas
Trazem no ventre Despojos antigos
Mas nada os prende Às vidas acabadas
São os mordomos Do universo todo
Senhores à força Mandadores sem lei
Enchem as tulhas Bebem vinho novo
Dançam a ronda No pinhal do rei
Eles comem tudo Eles comem tudo
Eles comem tudo E não deixam nada
No chão do medo Tombam os vencidos
Ouvem-se os gritos Na noite abafada
Jazem nos fossos Vítimas dum credo
E não se esgota O sangue da manada
Se alguém se engana Com seu ar sisudo
E lhe franqueia As portas à chegada
Eles comem tudo Eles comem tudo
Eles comem tudo E não deixam nada
Eles comem tudo Eles comem tudo
Eles comem tudo E não deixam nada







Chamavam-se canções de luta. E era esta uma das muitas formas de expressar o descontentamento perante um regime político de ditadura, sem liberdade de expressão, de prisão dos que se opunham ao regime, de perseguição aos que difundiam ideias como a democracia, o pluralismo, liberdade de reunião, um país sem presos políticos, a independência das colónias e os direitos humanos e sociais.

Muitos deles cantavam e faziam as suas poesias em Paris ou noutro ponto do mundo longe dos espiões do estado espalhados um pouco por toda a parte. Outros foram presos, estiveram em Peniche, foram enviados para o Tarrafal, ou era mesmo barbaramente torturados na sede da PIDE em Lisboa. Mas foi com uma canção que arrancou a Revolução dos Cravos, em 25 de Abril de 1974.

Passaram 42 anos. As canções de luta não se fazem ouvir. O país mudou. As prisões abriram-se para os que lutaram contra o fascismo de  Salazar e Caetano. A democracia tomou conta das gentes, e com ela os partidos políticos apareceram, nasceram e puderam livremente enunciar os seus programas, os seus projectos para Portugal, A Assembleia Constituinte aprovou a Constituição da República Portuguesa. E promoveram-se eleições livres. O país deixou as vestes de luto e pulverizou-se de muitas cores. Muitos direitos foram adquiridos. As condições de trabalho foram alteradas. A legalidade passou a ser a base do comportamento, e o direito colocou-se ao serviço da justiça. Como Montesquieu enunciou no seu livro "O espírito das leis" separaram-se os três poderes (que constitucionalmente emana do povo) em Executivo, Legislativo e Judicial. Tudo leva tempo, e a mudança de quase tudo nem sempre pacífica, mas foi se levando. E por de cima de um estado em turbilhão, fruto das naturais convulsões que se sucederam à revolução, foi-se edificando um estado moderno, de direito, onde existe liberdade, democracia, pluralismo, direitos humanos e existe a   liberdade de expressão.

Os que hoje se orgulham do trabalho de casa, de termos aderido à União Europeia, termos adoptado como moeda o euro, e termos Instituições a funcionar, podem perfeitamente e sem contestação dizer que o país é outro. Que tem estradas, escolas, universidades, politécnicos, institutos da juventude, hospitais, centros de saúde, associações, mutualidades e fundações, piscinas em cada concelho e campos de futebol, pavilhões de desportos, centros comerciais com fartura e mais um inúmero de conquistas e provas de desenvolvimento.

Mas os velhos do Restelo, sempre eles, dizem que isto é o topo de uma montanha, e todos foram tirando fotos na subida e agora deliciados mostram o cume, a paisagem maravilhosa que se pode ver. Mas esquecidas as maquinetas dos retratos lá no fantasioso miradouro, as imagens não podem mostrar a verdade de um país que começou a descer. Uns tentam disfarçar a coisa chamando picos económicos, ou ondulações da economia, como que prometendo que depois da descida, tal qual a montanha russa, vai alguma coisa empurarr-nos para novo cume, ou seja, para mais um pulo de desenvolvimento. É questão de esperar. Outros pessimistas dizem que os governos em boa verdade têm sido um flagelo nacional e todos os que estão implicados na falência do nosso Portugal deveriam ser responsabilizados e ser punidos se existir razão que o justifique. O país está falido. O desemprego praticamente nunca foi assim. A inteligência e a irreverência dos jovens mostra-os em debandada para países que lhes podem dar outro modo de vida, com melhores condições e reconhecimento. Os salários em Portugal baixam, os funcionários públicos não têm aumentos quase à 10 anos e ainda lhes diminuiram os dias de férias e aumentaram o tempo de trabalho semanal. O despedimento é cada vez mais fácil. Os direitos sociais e do trabalho voltaram para trás. Os impostos sobem. Todos mandam em nós, a Senhora alemã que esqueci o nome, o Conselho Europeu, o Presidente da União Europeia, o Banco Europeu, os Tratados, a Troika, a Presidente do Fundo, as Agências que nos chamam lixo, os Bancos espanhóis, os estrangeiros, a ONU, os PALOP, o Brasil, o alucinado Acordo Ortográfico. Não se promeve o mérito. Não se chama a responsabilidades os maus gestores. A Administração Pública parece um lodaçal fora da lei. As nomeações para lugares públicos servem para gargalhada geral e mostra até que ponto se perdeu o pudor. É uma vergonha.

Em bom rigor, juntando a isto uma presidência que sai mais cara que a monarquia espanhola, um parlamento apinhado de gente que pouco sabe mas acumula salários e regalias atrás de regalias, um Governo que se apetrecha de uma legião de compadres, amigos e afilhados, e os que no partido ainda tocam alguma coisa, enchem os lugares que já não existem nalguns lugares, com casa a alargar para a família, e vai de motoristas, secretárias, adjuntos, conselheiros, preseidentes, autoridades, vogais, consultores, e mais uns poucos de lugares que a compreensão humana modernizada sabe essenciais como a informação - por causa da falta de informação é que a Inglaterra perdeu o seu maior e mais moderno vaso de guerra no conflito das Malvinas - e logo, até serviço com 4 gatos pingados tem um chefe de informação. Outro de estudos. Outro de Imprensa. Outro das novas tecnologias. Outro das velhas. E alguns nem se percebe bem nem o que fazem, e muito menos o que sabem fazer. Curriculum? Huuummmmmmm.... Gargalhada, já é conhecida a facilidade portuguesa do desenrascanso, e tudo trabalha nisso, ou fechavam institutos e universidades, os cursos podem comprar-se, fazer-se ao domingo, os trabalhos podem encomendar-se, os exames com jeito fazem-se em casa. Só não tem curso, me perdoem, os que não querem. Pois até um burro pode ser doutor. 

Portugal está pois perdido. Anda à deriva entre um povo piegas e gente que pode dormir debaixo das pontes. Está tudo dito. Mas andam por aí ainda uns vampiros. E eles comem tudo e não deixam nada. Ou, eu diria, como pensador credenciado honoris causa, eles têm tudo, mas por cuidados de elegência e academia, não comem tudo, comem alguma coisa e o resto dão a quem querem. Os outros, reclamem. Esperem. 

Não será tempo que começar com as canções de luta, contra os vampiros, contra as sanguessugas. Contra os parasitas. Contra os fora da lei. Contra a corrupção e violência. A liberdade já passou por aqui?









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