DE REVOLUTIONIBUS IN LEGE

"O pensador é antes de

tudo dinamite, um

aterrorizante explosivo

que põe em perigo o

mundo inteiro"

Nietzsche

Aconselharam-me, amigos do peito, a ponderar seriamente as razões (a suspeita que poderia ser alvo de alguma torpe baixeza devido às minhas ideias que poderiam abalar os alicerces do esquema de pesos e contrapesos, subtilmente coordenados e que mantêm no cimo os privilegiados e por baixo a pequenada, o que de  per si explicaria o equilíbrio existente no burgo apesar da sua descida vertiginosa para se perder) e, submeter-me, fazer o que fazem os outros, comer e calar. 

Isso explicar-se-ia como uma ligeira cedência mas grande contributo para a paz social. As castas tranquilizavam-se, as amizades perduravam, o compadrio fortalecia, os grupos dos partidos do arco da governação podiam sem atropelos continuar cuidando do futuro dos seus líderes, e muitos ignorantes doutos teriam lugares justos para progredirem na vida. Depois, cada macaco no seu galho, e um médico ou engenheiro sempre são senhores doutores e senhores engenheiros, saibam ou não, é preciso é diploma, alcançado com esforço ou com dinheiro. E quem é iletrado, não pertence ao fantástico clube dos intelectuais da cidade, deve reduzir-se à sua insignificância, e não fazer ondas.

Pensei e andei remoendo na bondade dos conselhos dos amigos, pensei de novo e não chegando objectivamente a nenhuma conclusão, fui descansar um pouco. O meu estado de saúde a isso obriga, pensar muito, cansa muito, fazer, mesmo pouco é um calvário. E enquanto tentava tirar os meus pensamentos da cabeça, sem sucesso, martelavam-se continuadamente sem cessar, veio-me à ideia um vulto gigantesco que se viu - embora em outra escala de magnitude bem mais elevada - com dúvidas parecidas com as minhas e sujeito a riscos que creio bem maiores.

Refiro a Nicolau Copérnico (1473 - 1543) um homem que a epistemologia aponta como um dos precursores da Ciência Moderna. Esse grande homem do séc. XV/XVI veio revolucionar o status quo dominante e que a maior potência do seu tempo defendia, a Igreja. Esse astrónomo polaco por ter absoluta consciência que a publicidade da sua obra DE REVOLUTIONIBUS ORBIUM COELESTIUM (A Revolução dos Orbes Celestes) viria provocar profundas alterações no que respeita ao esquema do Universo, e a sua contradição frontal com os princípios do equilíbrio sancionado pela Filosofia e pela religião, actuou com a maior das prudências. Desde publicação de obras sob anonimato, ao recurso a desculpas e justificações tendo mesmo escrito ao Papa Paulo III como que o preparando para o risco de algum dos seus livros suscitar críticas.

Nicolau Copérnico temia, num mundo dominado pela Igreja e sob o jugo atroz da Inquisição, pelas consequências que a sua obra prima podia ocasionar; ele sabia os riscos a que o seu livro se expunha, e o publicou quase em segredo, de modo que quando veio a ser fortemente criticado, foi impugnado, já o cientista tinha falecido, e o livro acabou por ser incluído na lista das obras proibidas pela Igreja de Roma, por ser um atentado ou um perigo para a Religião.

Copérnico simplesmente ousara escrever uma tese completamente contrária ao conhecimento astronómico irrefutável e por todos reconhecido. Copérnico faz cair o Sistema Ptolomaico ousando defender que a terra cumpria "uma Revolução em torno do Sol, como qualquer outro planeta". Com esta teoria Copérnico deitava por terra o conceito de que a Terra deteria um lugar privilegiado de corpo inerte e colocado no centro do Universo. Seu livro foi relegado para o meio dos livros malditos, e a Inquisição não lhe pode fazer dano, pois prudentemente o homem de ciência publicara sua obra em fim de vida.

Pensei em Copérnico, em Bruno, em Galileu e em muitos homens a quem devemos o grande salto ao obstáculo que era marca de um feudalismo decadente, a obstaculização do desenvolvimento do conhecimento científico, e pensei o risco que correram, os perigos que defrontaram, as torturas que sofreram, as perseguições, as mortes. Tudo isso para que o mundo avançasse, para que a verdade viesse à luz, para que as pessoas não se mantivessem aprisionadas na ignorância e na prepotência.

E pensei na minha vida. Felizmente já não há Inquisição. Uma vez pude ver os olhos de um padre chispando labaredas de malvadez. Nunca vou esquecer. Aquela mente devotada ao cristianismo que é amor e perdão, estava possuída do maior ódio, e eu percebi como se queimavam pessoas em nome de Deus. São os homens e não Deus, que tem ínsito no seu interior o bem e o mal. A Inquisição não foi Deus foi um fanatismo religioso cheio de ódios e que mais mortes humanas provocou na história da Humanidade. Não há inquisição, Mas pode haver perigos? Pode haver castigo por ousar? Pode haver outro tipo de fogueira ou de perseguição, ou de castigo?

Pode! Basta olhar o país, basta olhar a cidade. Mas olhem para ver, olhem que o que se fazia antigamente disfarçadamente agora faz-se às claras e impunemente. Aqui parece que o tempo andou para trás. Lembrei Bruno, tenho uma certa simpatia especial pela sua ousadia, ele ousava propositadamente, era um desafio, acreditava na sua inteligência e na sua memória prodigiosa. Morreu. Eu também vou morrer. E prefiro aproximar-me das pisadas de gente que mudou o mundo, que ajoelhar-me, mendigando favores a gente a quem não reconheço superioridade intelectual, nem podem ser exemplos de nada. Dessa gente, da forma que actuam, como se comportam face aos fracos e às leis, só posso ter vergonha, vergonha e muito asco.

Levantei-me, e sentei-me a trabalhar. É um dever. Nada peço para mim. Eu tive o que mereço. Deixei-me enganar infantilmente. E tento com todas as minhas forças ver se consigo colocar um travão nessa gente, que do alto do seu poleiro, continuam a atropelar-me, procuram enganar-me mais, e justificam suas prepotências e malfeitorias com mentiras. A mentira é a arma do cobarde. E para se defenderem vão continuar a mentir, uma, duas, dez, quarenta...

 Dizia o fascista Joseph Goebbels "uma mentira dita cem vezes passa a ser uma verdade".