quarta-feira, 6 de junho de 2018

ESCREVER É COMO SER ASSASSINO DE FOLHAS VIRGINAIS




Tenho saudades quando escrevia com canetas de tinta permanente e tal objecto podia mesmo tonar-se um utilitário criativo cheio de personalidade e classe. 

Com os computadores as pessoas deixaram de escrever. 

A tinta deixou de marcar sentimentos, desejos, sonhos, ideias em folhas de papel. 

Escrevi milhares de folhas. 

E como o mundo muda, as ideias e os desejos variam com o tempo, rasguei toneladas de ruins poesias - ser poeta é magia - outras com ideias, mas percebi que raramente as minhas ideias encontravam acolhimento no sujeito comum,  de modo que pouco tenho de tantas milhares de horas de devaneios, delírios, ou até, em divagação que se pode aceitar, em trabalho perdido. 

Ainda mantenho o calo no dedo. 

E, primeiro escrevia com uma letra linda, como se ela fosse sedução, harmonia, beleza e pudesse dar uma ideia organizada e certa de mim. 

Logo de mim que nunca fui organizado nem certo. 

E bastou um desgosto de amor numa época infeliz, e desisti de me esforçar por escrever intermináveis páginas com uma letra que ainda hoje nem parecia humana. 

Moral da história. 

Se hoje escrevo com a minha caneta, ainda a tenho, corro o risco de no dia seguinte não perceber metade do que escrevi. 

A beleza fugiu da caneta e do papel e provavelmente de mim. 

Mas tornou-se coisa sábia, erudita, letra de médico, isso sempre me iliba de dizer seja o que possa escrever.

Se escrevia bem demais, certinho e bonito, todos entendiam e o segredo afastava-se de todos.

Percebi que se o médido cura o doente fica no desemprego. 

Se cura arruina-se. 

Percebi nada como escrever o que ninguém entenda. 

É melhor continuar a escrever para os anjos. 

A escrita ataca muitos que ousam preguiçosamente ler. 

E sigo Nietzsche, odeio os preguiçosos que lêem.

E mais ainda, os que navegam no absurdo de escrever sem rumo. 

Por muitas voltas que o vento dê, nunca sabem exatamente a que porto querem aportar. 

Mas escrever faz bem. descomprime o que temos dentro de nós e permite as liberdade para as imensas coisas que povoam os nossos pensamentos e saltitam dentro de nós. 

Um dia destes vou carregar a caneta de tinta.

Escolhi uma cor assim meio lilás. violeta, - deve ser da chama que dizem vai transmutar o mundo e o mal no bem - e isso, também me faz sentir diferente. 

A normalidade cansa-me. 

Escrever é um acto revolucionário que sai de uma micro partícula inquieta e invade o mundo inteiro. 

É como a loucura. 

Já não há muitos loucos. 

Parece que tudo está parado. 

As pessoas normais é que deram cabo da vida, da alegria, da prosperidade, da paz e da terra.

Não há coisa mais triste que ser normal.

Vou voltar a assassinar folhas de papel. 

Adoro.






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