Andava esmorecido - não me bastava os médicos da saúde pública que me fizeram uma junta médica em que pareciam palhaços no circo se divertindo à custa do freguês - ainda por cima tinha perdido a minha estrelinha. Foi-se sem dizer adeus, sem um piscar de luzes, sem aqueles rodopios que tanto gosta de dar para me impressionar e eu fiquei só.
É verdade que já estou habituado à solidão. É verdade que as pessoas absolutamente normais me dão náuseas com um cinzentismo tão descolorido que estar junto 5 minutos me parece meio século. Ora acabei de expor sem desejar uma explicação simples para a teoria da realtividade de Einstein. É que estar 5 horas junto de uma pessoa maravilhosa - logo, não normal, não cinzenta, não vazia - parece-me que pouco mais de um punhado de minutos passaram.
Mas voltando à realidade e deixando de lado a ficção, já me vou acostumando a gostar de estar só. O meu destino parece não ser de modo nenhum tornar-me um enxota moscas, e o mundo está cada vez mais cheio de sujeira e as moscas são mais que muitas. As moscas banais até não incomodam muito, mas as pomposas, azuis, gordinhas, reluzentes, emproadas, importantes, irritam-me a pele. Não suporto esta epidemia.
E gostando de estar só, aproximo-me categoricamente da liberdade, ou do seu conceito. Até para ter companhia - o que é sempre gostosa e linda ideia - será por escolha e por querer, e não por necessidade. Quando necessitamos de alguma coisa é certo e sabido que os deuses olímpicos nos armam ratoeiras e nunca acertamos em nada.
Bem, mas estou feliz, a minha estrelinha regressou. Percebeu uma lágrima no canto do olho e veio meiguinha me dizer. "Migão, hoje e amanhã, até te cansares de mim quero ficar sempre à tua beira. E põe-me naquele frasquinho só meu, onde te posso ver dormir e sentir sonhar olhando da tua cabeceira.".
E aconteceu, amorosamente a "aprisionei" na lanterna mais bela e mais viva que alguma vez pude ter. E fiquei a olhar. Ainda muitos me julgam louco porque há anos sustento que tenho uma estrelinha de amiga.
Mas adoro ser louco. Quando encontro um sujeiro normal, não entendo nada do mundo, vejo tudo triste, até o sorriso. Eu, que ando aloucado e feliz, digo como o filósofo, só acredito num Deus que saiba dançar.
Um Deus bem comportadinho, janotinha, arranjado, de pose certinha, formal, nunca criaria um mundo maravilhoso como nós temos nem poderia conceber tantos milhares de pessoas que com as suas irreverências e criatividade, teimosias e sonhos, ousaram fazer o que de mais belo já construímos.
Olho a minha estrela e sinto que tenho a felicidade batendo à minha porta. Sou um eleito, diferente, mas eleito. E não posso transgredir, atraiçoar uma amizade assim, com uma estrela, e vou continuar a lutar, seja ou não louco, seja perseguido ou não, seja odiado.
Mataram Cristo, e o matariam hoje de novo, e amanhã.
Os normais tendem a destruir tudo o que não entendem. Sentem-se ameaçados. São curtos de vista. Muitos defendem-se exatamente como bestas perante um ciclone. Perdem-se. Adoro a minha estrela. E ela adora-me. Como não ser feliz assim?
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