sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Tudo calado. Só fala quem eu deixar...




O semanário Sol revela na edição de sexta-feira um extracto do despacho do juiz do processo Face Oculta onde se refere que “das conversações entre Paulo Penedos e Armando Vara resultaram indícios muito fortes da existência de um plano em que está directamente envolvido o Governo, nomeadamente o primeiro-ministro, visando o controlo da estação de televisão TVI e o afastamento da jornalista Manuela Moura Guedes e do seu marido, José Eduardo Moniz, para controlar o teor das notícias”.

De acordo com o mesmo despacho, “resultam ainda fortes indícios de que as pessoas envolvidas no plano tentaram condicionar a actuação do Presidente da República, procurando evitar que o mesmo fizesse uma apreciação crítica do negócio”.

No processo Face Oculta, que investiga alegados casos de corrupção e outros crimes económicos relacionados com empresas do sector empresarial do Estado e empresas privadas, foram constituídos 18 arguidos, incluindo Armando Vara, vice-presidente do BCP que suspendeu funções, José Penedos, presidente da REN-Redes Eléctricas Nacionais, cujas funções foram suspensas pelo tribunal, e o seu filho Paulo Penedos, advogado da empresa SCI-Sociedade Comercial e Industrial de Metalomecânica SA, de Manuel Godinho, que está em prisão preventiva.

O primeiro-ministro foi interceptado em 11 escutas dirigidas a Armando Vara neste processo. Mais tarde, o procurador-geral da República, Pinto Monteiro, afirmou que as escutas envolvendo José Sócrates não continham "indícios probatórios” que determinassem “a instauração de procedimento criminal contra o primeiro-ministro, designadamente pela prática do crime de atentado contra o Estado de Direito".

por Sara Sanz Pinto, Publicado em 04 de Fevereiro de 2010; Jornal I


Vivemos tempos de grande incerteza e de crise. Pior que a crise que cada vez mais se sente na carteira de cada um - falo da gente normal, claro está - está aí inchada de gozo e de força a crise de valores, a enfermidade que mina a ética, o desaparecimento da moral.

Poderiamos até deixar cair, isso já ocorreu entre nós algumas vezes nos nossos mais de 800 anos de história, o sentido de orgulho pátrio, de honra colectiva, de contentamento em existir. E submeter-nos a uma cura escondida por alguns anos, sem vaidade, silenciosos, olhos no chão, calados, passando pelo tempo como sombra discreta.

E assumiriamos, com modéstia, e não ficaria mesmo mal, com o assumir das nossas ridículas manias das grandezas, e da mediania fraquinha do nosso espírito, que não passamos de uns pobres diabos, passando a vida a carpir desgraças, a fingir o que não somos, e a mostrar a todos a nossa inquiestionável pobreza, os olhares tristes, e a nossa pequenez.

Apostamos nos governos que democraticamente elegemos, fingindo crer que temos equipa para fazer façanhas, como aspiramos tornar-nos campeões no torneio de futebol lá do bairro. A cada derrota culpamos o alheio, o campo, o árbitro, o bandeirinha, os comentadores da tv, o sol, a hora, tudo nos serve de desculpa para o fracasso, que não queremos assumir da nossa equipa.

E vamos desculpando os pesos da nossa cosnciencia jogando as culpas nos tempos passados, nessa lista imemoriável de factos, feitos e heróis, ou empatas, que parece nos condenaram a um penar sem fim. Não faltará quem atribua a culpa da crise à Ala dos Namorados que se deixou destroçar nas lutas pela nossa independencia frente aos castelhanos, nem quem desculpe a cobardia ao fugitivo Barroso quando a sete pés abandonou a nau à deriva em troca de honras e glórias ao serviço de sabe-se lá quê, ou quem, ao Sebastião que irresponsavelmente se deixou envolver numa batalha no meio das areias africanas por uma causa sem qualquer interesse, nem quem julgue a triste demissão do Santana Lopes às mãos de interesses estranhos e de duvidosa legalidade, a consequências, e feridas mal curadas, resultantes do insucesso do magelómano mapa cor de rosa, e dos amigos da onça dos exércitos e poderes da coroa inglesa.

Em bom rigor parece que tudo vai mal, mas a culpa, sempre à portuguesa morre solteira. Do ensino à justiça, da saúde à segurança dos cidadãos, da qualidade de vida, dos salários, dos direitos, da cultura, não existe governo algum que não proclame milagres, feitos merecedores do reconhecimento público, vitórias sobre a visão medíocre e fatalista do passado e um caminhar seguro, certo, visível, na senda da modernidade e da glória.

E feito o balanço estamos sempre piores, baixamos na qualidade, no que desejamos, no que parece ser bom. Como bólides de fórmula um, aceleramos a ritmos diabólicos cada vez que o movimento indica prejuízos, perda de qualidade, maus resultados.

Mas, sejamos pelo menos sérios, fomos nós que colocámos nas cadeiras do poder, desse sempre eterno desgoverno irresponsavel, meia dúzia de trastes de pequeníssima valia, de vaidosos sem qualificações técnicas, de fala baratos saídos da partidocracia mais frouxa, e de compadres e amigos de ocasião, armados em gente boa, à procura do tacho.

Legitimámos a mais completa incompetencia. Aplaudimos a tacanhez de espírito. Vaiámos as vozes que algumas vezes procuravam despertar os incautos. E estamos praticamente falidos. Sem crédito, o país, as famílias, as empresas, e a classe política e as outras. À sombra das ordens profissionais escudam-se interesses estranhos e assiste-se a coisas do tempo da Maria da Fonte, que é pagar, para meia dúzia de tóinos, depois de anos de estudo, nos legitimarem o direito a trabalahar, a troco de meia dúzia de euros. Vaidades. A vaidade em ser doutor, nem que seja da treta. O que é preciso é parecer, ser ou não ser nem sequer conta já. Nem como se chegou lá. Fazem-se cursos de todas as maneiras, em todos os lugares, e os exames já podem ser feitos, democraticamente, em dias úteis ou não úteis, na escoal, ou na casa do estudante. Quem aprova ou reprova um trabalho que se deveria ter feito, já nem se sabe se é o professor, se o amigo, se o sócio, se a amante. São os novos tempos. De farsa, de loucura, de fingimentos, de desenrascar a qualquer preço.

Mesmo a democracia... será que existe? Cada vez mais as pessoas se afastam dos políticos como se eles trouxessem a peste ou a sarna, mas essa gente defende tudo e mais alguma coisa, mesmo tudo aquilo que pela própria natureza deveria ser alvo de estudo profundo e sério, e ouvidas as máximas pessoas, alegando o poder quase sacralizado, de representar todos os portugueses. Mesmo, e os números muitas das vezes nem mentem, quando a maioroa dos portugueses nem sequer já se dá ao trabalho de votar.

E se existe está gravemente enferma a nossa democracia. Atacada e espezinhada, vai se arrastando, vendo partir direitos constitucionalmente consagrados, vendo aumentar as diferenças entre as pessoas, crescer as injustiças entre os que brincam com leis e tribunais à conta de advogados espertos que se enchem de dinheiro, e aqueles que não se atrevem sequer a pensar em defender o que lhe tiram, por falta de recursos. Entre os que se rebolam de clínica a clínica a mudar de rabo ou a arranjar as unhas, e os que desesperam para ser operados a um cancro, e os que não podem ver bem, por falta de dinheiro para comprar óculos.

A nossa democracia já nem consegue proteger os que ousam falar. São inoportunos, irresponsáveis, loucos, que por ousar arriscam o emprego ou a carreira, a saúde, e o bem estar e qualidde de vida da familia. Quem se atreve a falar facilmente perde o lugar, cai. Aos olhos de todos. A tirania da mediocridade vai como um polvo imenso abafando quem se propõe denunciar, arrasando os que tiveram a coragem de dizer não.

O país continua entregue a gente que nunca responde pelas asneira que faz, mas que se arvora em bons e exemplares modelos ao instituir apertadas e desadequadas regras para avaliar o trabalho dos outros. Dos que fazem, dos que ainda vão fazendo, porque a nata do regime escapa ao crivo das avaliações, assalta os lugares de direcção por compadrio ou corrupção, dirige quem nunca soube fazer nada.

O país assiste. Tudo parece que funciona. Os dias passam sem cessar. É o nosso mundo. A nossa vida. Uma atracção ao abismo que parece estar tão próximo que poucos crêem se possa evitar. Mas tudo deve, a bem da modernidade, do estado de direito, e da modernidade do país, manter-se calado. A bem da nação... todos calados.

Kampus Libertatis, Pedro Alcobia da Cruz, 2010/02/05

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