Como grande parte dos portugueses, obrigados pelo confinamento a estar em casa, raramente perco uma conferência de imprensa diária da senhora ministra da saúde acompanhada pela senhora directora geral de saúde, no horário ultra nobre dos telejornais das oito horas.
Sou muito céptico - desde que estabeleceram o segredo estatístico - dos números divulgados. Tenho para mim, como há dias noticiava o Financial Times, que os números portugueses não andariam bem. Calcula aquele respeitável órgão de comunicação social britânico que a realidade deve andar uns 10 % acima.
Entendo que o governo tem em mãos uma gestão assaz complexa e exigente de uma crise aguda quer de saúde quer de economia. Mas, tenho dificuldade em digerir, se para benefício de uma se vai manipular a outra (ou, noblesse oblige, não divulgar, ignorar, ou esconder quando não convêm). Um dos pressupostos da democracia é o direito à informação e guardar segredos só aqueles que têm em vista o superior interesse do estado, como a independência nacional.
Além de achar, ao contrário da grande maioria do povo português que está satisfeito com a gestão da crise pelo governo, tenho sérias dúvidas de todo o processo, desde que se esperou a chegada da pandemia e tudo estava bem e preparado. E, posteriormente se soube que não era bem assim. E durante, quando afinal não havia hospitais preparados, profissionais de saúde equipados, falta de meios de protecção, falta de testes, falta de apoio a lares, muita trapalhada disfarçada em muita conversa barata.
O senhor presidente da república portuguesa também ajudou à festa, lançou os foguetes e corre atrás das canas. Falou mesmo, espante-se do milagre português. Confesso que se estivesse ensonado e menos atento, sabendo das relações firmes de sua excelência com as coisas do divino, julgaria que falava do milagre de Fátima. Mas não, Marcelo Rebelo de Sousa, foi claro, dizendo "o milagre é Portugal"?
Todos os dias acompanho os dados gerais da pandemia no mundo, nos países onde a crise é trágica e de proporções ainda a conhecer dado o descontrole que tomou, nos nossos vizinhos da União Europeia e no Brasil.
Fazer comparações não é, salvo melhor opinião, metodologia acertada se no rol de países existirem diferenças grandes, em área, população, eventualmente localização geográfica e diversidade climatérica.
De um modo geral, posso dizer que Portugal anda bem na percentagem - se os números divulgados pelo governo estão correctos - de óbitos face ao número de casos confirmados. Já, quando tento assimilar o número de recuperados em que tantas vezes se tem dado o foco nas conferências de imprensa, sem qualquer razão em termos estatísticos (de modo humano um caso é assinalável e importante), honestamente não entendo porque os infectados portugueses simplesmente não recuperam.
Não recuperam os portugueses. O mal está nas pessoas, são frágeis, estão débeis, a raça não tem fortaleza? Nos meios humanos e materiais que o sector estatal da saúde disponibiliza para cuidar dos doentes? O que se passa?
E, pior, porque se não fala disso, e quando se fala é para dar uma nota de alegria porque os recuperados subiram. Bem, não podem descer. Aí não tem dúvida. Só podem subir, mas sobem tão devagar, tão devagarinho que a percentagem é nalguns casos irrisória face a outros países.
Vejamos:
Em Portugal a percentagem de recuperados é de 6% em relação aos casos confirmados.
Infelizmente, dos países que acompanho e mais directamente nos estão próximos, não tenho um único que possua um número de recuperados menor. Nem a média no mundo consegue ser mais baixa. Está nos 30,94%).
Por exemplo, há dois países que podem e devem ser comparados com Portugal por terem características de área geográfica e populacionais semelhantes, a República Checa e a Áustria.
E por terem essas características que tanto se parecem com o nosso Portugal, até, vou comparar todos os indicadores nos três países:
Portugal - casos: 24.505; óbitos: 973 (4 %); recuperados: 1470 (6 %)
Áustria -- casos: 15402; óbitos: 580 (3.8 %); recuperados: 12.779 (83 %)
República Checa ---- casos: 5.563; óbitos: 227 (3 %); recuperados: 3.096 (41 %)
Nos demais países que escolhi para este estudo, Portugal tem um número de óbitos expressivamente inferior, mas, sem que entenda a razão, o número de recuperados praticamente disparam enquanto os nossos infectados se mantêm com uma taxa de recuperação inexpressiva.
Acontece assim com (sem qualquer ordenação), Espanha (56,11 %), Itália (35 %), EUA (13.76 %), Suiça (76,85 %), Bélgica (23,5 %), Alemanha (75 %), França (28.3 %), Brasil (43,6 %) e Coreia do Sul (82 %).
Neste indicador - recuperados - parece não existir qualquer milagre de Portugal. E, se tivermos em conta a Áustria e a República Checa com características semelhantes às nossas, existirá qualquer neblina que não nos pode deixar ver nada miraculoso. Pelo contrário, infelizmente.
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