quinta-feira, 25 de março de 2010

Ó crise volta para trás...

Tenho para mim como certo que navegamos à deriva. Sem qualquer rumo, à toa, a descoordenados impulsos que se sucedem - porque tem que ser - sem objectivos, sem alma, sem norte. Portugal está, faz que anda, parece que se governa, segue atabalhoadamente, entre outros, um caminho que em nada difere dos que a história mais recente nos revela; vamos existindo, fazendo de conta, e de declínio em declínio, de insucesso em insucesso, numa continuada marcha acompanhada de canticos de mediocridade e de inépcia.
Pior que a crise, só mesmo depois da crise - isso dizia eu há algum tempo atrás. Quase profeticamente (antes não fosse assim). E, de facto, depois de terem anunciado com pompa e circunstancia que Portugal, espectacularmente, se apresentava campeão entre os demais, sendo dos primeiros a sair da crise, eis que se anunciam medidas de austeridade, sacrificios redobrados, contenção, iniciativas essas necessárias, segundo os magos da governação, para a estabilidade do país e de um quimérico crescimento que desde sempre se promete.
Estranho no mínimo. Depois da crise esperava-se a bonança, bons ventos, renovadas esperanças, que em linguagem económica ou financeira se traduziria em certificada expansão, novas e pujantes empresas, crescimento das transacções, mais emprego, mais produção, maior liquidez, um sentir de alívio nos diversos sectores da economia real, e afinal, mais tranquilidade nas gentes e prosperidade nas familias.
Mas, para nosso desespero, tudo parece apresentar-se em sentido rigorosamente contrário. Violando os mais basilares princípios que inculcámos no nosso interior e que decorrem da experiencia de vida e dos conhecimentos que assimilámos e que parecem sustentar as ciências da vida das nações. O desemprego cresce ou mantêm, ou mantêm e cresce, depois da crise esperávamos que diminuísse. Nunca tal ocorreu nem se perspectiva que suceda nos próximos tempos. As empresas continuam a encerrar, a não pagar salários, a perecer. Tudo nos levava a crer que depois da crise novas empresas se instalássem e as existentes se expandissem. E não faltasse dinheiro para pagar aos que trabalham. Os salários da Função Pública são congelados, durante quatro anos não vão crescer. Essa medida que parece ser crítica e excepcional, depois da crise é implementada esperando o governo que se estenda a todos, tanto aos públicos como aos privados. Sobem os impostos. Mesmo quando ainda há poucos dias atrás era garantido que estes não subiriam em face de uma crise que se tinha ultrapassado e um futuro que se prometia. As prestações sociais diminuem ou diminui o seu alcance e procura-se agora, a todo o custo, privatizar as empresas do Estado.
É um mundo de loucos. Podemos mesmo sustentar que tivemos uma crise simpática, meiga, romantica, compreensiva, que terminou com um golpe de pouca sensibilidade de um governo e sem que o pagante tivesse dado conta, mergulhando o povo, os sem nada, os da clase média, os que trabalham, os que ainda fazem qualquer coisinha, num pós-crise, que em boa verdade, ninguém entende.
Magia, pura magia, dirão alguns. Que pensarão que somos governados a toque de varinha mágica e que estamos inundados de um irrealismo, polvilhado de bruxarias, e poções milagrosas. Entre governos e desgovernos que já ninguém entende, crises amistosas, e agoniados períodos de estabilidade, já pouco podemos esperar de um futuro que cada vez mais parece se afastar de nós. E sem esperança num dia vindouro que pode pedir-se a alguém? Pouca coisa é de esperar, creio.
No meio de toda esta confusão seguramente vamos ter muitas saudades da dita crise, que se foi sem que as pessoas tivessem percebido, em bom rigor, quando. Muitos não deixarão de sonhar com ela, com o seu regresso, e preparam-se para lhe dar vivas. Afinal de contas parece que o que está a dar é viver em crise. Somos especialistas nelas. Não sabemos já viver sem elas. De modo nenhum.
Desejando a crise, como forma de colocar um ponto final neste tempo que parecia ser de serenidade e acalmia, seguimos esperançosos que os velhos tempos regressem. Em que os bons e sábios governantes prometiam o fim da crise, tomavam medidas e mais medidas, pareciam trabalhar e construir. Só que, ao contrário de antes, seria bom que não construíssem, nem fizessem, apenas fossem prometendo, e não cumprindo, de modo tal, que paulatinamente, poderiamos perpetuar a bendita crise de que já temos saudades. Venha ela. Viva a crise... volta, volta, por favor, atrás.

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