domingo, 16 de agosto de 2009

UM CAMPO DE LIBERDADE

Kampus Libertatis

Só podia ter um nome assim este campo, onde desejo, as letras pulverizem sussuros de liberdade, de desejos possíveis, de esperanças, de sonhos de gente, de pessoas, de seres que nunca deixem de ser a essência de um mundo que não deixará de girar, mesmo que os ventos impetuosos que querem calar, fustiguem os nossos rostos.

A liberdade mesmo que não exista de todo, estacionou aqui, quedou-se imóvel, fincou os pés, cravou as unhas, e teimosamente aqui pugnará, entre canções, entre protestos, em rasgos de luz, permanecerá, guiando os meus passos.

Mais que um blogue, um espaço de internet, virado ao mundo e aos outros, isto não é mais que um cofre, pequenino, singelo, meio frágil, onde é possível espreitar o que vai dentro, e que não será mais que um aglomerado de pequenitos segredos, de ideias, de visões, sobre o mundo e a vida, respeitando mais que tudo o homem e a dignidade humana, e o direito inalienável que o mesmo possui de seguir livremente um caminho que o leve a viver com tranquilidade entre e com os seus semelhantes.

Creio que apenas gente distraída entra neste campo de intimidades, de devaneios, de busca de ilusões, sendo mesmo que aqueles que distraidamente por aqui deambulam, ao aperceber-se de um conteúdo tão pouco erudito ou sem ser alicerçado em técnicas ou sabedorias certificadas, logo abandonam a visita, procurando por aí, mundos sem dúvidas, e verdades absolutas.

Este campo abriga a dúvida, e dá guarida aos que pouco ou nada sabendo, procuram reflectir, e nesse acto, aproximar-se um pouco mais do que muitas vezes parece ser, podendo, algumas vezes, ser mesmo realidade.

A liberdade é o voar da ave nos céus, o caminho do homem na terra deveria ser igualmente livre, os sonhos deveriam vogar em desalinho, sem regras nem métodos, num mar, ora sereno ora encapelado, de ondas de sonho.

Escrevo aqui, os desesperos de quem tanto aprecia a liberdade de caminhar em paz, em harmonia, numa relação equilibrada tanto com os outros como com o mundo que nos envolve, desejando, mais que ensinar, ou chamar a atenção – quem sou eu para isso – encontrar algo donde seja possível retirar benefícios ou interesse.

Na busca tenho como finalidade me aproximar um pouco mais do ser que é, da verdade que raramente está acessível, do desenrolar da expedição que todos efectuamos em cada dia de vida.

Preocupa-me o homem, a sua relação com os outros homens, quer se manifeste de uma forma organizada ou não, a do homem com o seu espaço, onde se envolve vulgarmente nos momentos de existência, ou no mundo, que feito por Deus para todos, parece cada vez mais distante de todos nós, e de cada um.

Preocupa-me o meu país, o seu caminho, que mais parece uma marcha fúnebre, apontado a um declínio injustificável e incompreensível, enquanto os responsáveis pela sua governação, - todos eles - sem prestar contas a quem quer que seja, prometem aproximá-lo das modernas democracias do mundo, e enganando as gentes, ajudam a enterrar.

Preocupa-me um povo que parece ter deixado de viver, existindo apenas. Sem sorrir, sem sonhos, sem ilusões, silencioso, curvado. Só meia dúzia de alegres iluminados sugam o que ainda existe, se amanham sem qualquer risco, de qualquer maneira, impunemente, ocupando com ares de missionários as cadeiras do poder e os lugares da administração, de mãos dadas, satisfeitos, arrogantes, enquanto aos poucos o país soçobra, sem nada que se vislumbre capaz de lhe dar esperança, ou alma.

O povo já não sai às ruas a bailar, a dançar, não canta, não brinca, não acredita em dias felizes. Há mais confiança nos números aluados do euromilhões, que teimam em só sair aos outros, que em qualquer promessa de melhorias. A conversa da classe política não convence ninguém. Já não se fazem filhos, parecendo as terras pequenas do interior depósitos de velhos, que morrem cada vez mais em cada dia que passa. E os governos locais na caça de votos organiza excursões e bailes para a terceira idade.

Preocupa-me um canto do mundo, dito civilizado, onde existe tudo de pior, embrulhado nos papéis coloridos da civilização e atados na bizarra guita da modernidade. Deixou de se trabalhar para melhorar o futuro, trabalha-se para aguentar a catástrofe de dias cada vez mais negros que não deixam de nos visitar, sem interrupção hà alguns bons pares de anos. Pede-se mais trabalho, e paga-se, em promessas, com tirar um pouco menos. Que sempre se perdem, rendimentos, direitos, respeito. Parece um voltar ao passado, depois de gerações terem dito não, terem lutado, terem edificado um mundo que parecia caminhar para algum equilíbrio e para a paz social. Por este andar, ainda teremos de agradecer um dia, uma escravatura doirada, que sempre será, dirão os eruditos da praça, melhor que a sem luz, escura, e sem brilho. O povo, esse, sem o sorriso nos olhos, vai aplaudir, - aplaude sempre – e seguirá existindo.

Preocupa-me uma corrupção que todos conhecem, de que todos falam, e de que alguns engordam. Assusta-me o compadrio que nem se procura disfarçar, menos ocultar, um feudalismo de primas donas de cidadela, de favores, e de trocas de influências. Nessa chafurdice alguns constroem o seu império. O governo, a classe política, responde chumbando planos, vetando medidas, anulando, qualquer coisa que de eficaz se possa fazer e que combata esse cancro que mina a sociedade portuguesa.

A justiça não é justa, diz-se quando fora de tempo. Em Portugal ainda se crê – aqui reside muita da sabedoria popular – que mais vale calar, deixar passar, nada fazer, que intentar um processo nos tribunais para ver reconhecido um direito ou ver reparada uma injustiça. Os processos são caros, os ricos e poderosos raramente são condenados, as leis são um emaranhado de complicações, onde vinga, mais que o justo, o expediente, o saber manusear argumentos.

A educação é mais o seu contrário, que um esforço para garantir mais conhecimentos e ferramentas aos futuros profissionais, grassam por aí, inexplicáveis metodologias que podem ser do nosso tempo, mas que o povo não entende, de cursos que se tiram aos domingos, de exames que se podem realizar tranquilamente em casa, de passagens administrativas de alunos sem aproveitamento em mais de oitenta por cento do currículo leccionado. A estatística tem que se manusear para mostrar ao mundo que os portugueses que já foram, noutros tempos, um povo de elite, e de saber, volta a ser um grupo de gente do melhor que há, cientifica e tecnicamente falando. Ataca-se uma educação em profunda crise de metodologias e de valores espezinhando na praça pública os professores. Pisca-se o olho ao voto dos pais, transformando as escolas em lugares de estacionamento, onde se pode estar, sem que interesse de muito se efectivamente o ensino melhora ou não.

A saúde transformou-se num bastião de mercado, de negócio, onde, nem como é apanágio dos países mais cultos, conseguimos assegurar os nossos médicos. Os portugueses não têm médicos de família, recrutam-se médicos estrangeiros para tentar não fechar imensos Centros de Saúde no interior do país, espera-se com bichas desde o nascer do sol, para uma simples consulta. Os jovens portugueses que desejam exercer medicina têm que estudar no estrangeiro. Com o fim de um Serviço Nacional de Saúde que a Constituição garantia ser tendencialmente gratuito, assiste-se hoje a uma clientela de primeira grandeza, os utentes de seguros de saúde, e todos os demais, cujos rendimentos não permitem aceder àqueles meios, estão mais desprotegidos, ou à mercê do favor.

O funcionalismo público, que historicamente era mal pago, mas que recolhia o respeito das populações, foi praticamente substituído por uma coisa que nem se percebe bem qual a sua natureza, sendo modernizado à força com regras de produtividade, avaliação de desempenho, e exigências de tecnicidade, ao mesmo tempo que se alteraram para pior as expectativas dos seus servidores, se diminuiu os seus rendimentos, e se desmoronou todo o sistema de carreiras. Para moralizar ainda mais o sistema, os dirigentes são escolhidos por regras tão pouco críveis, como o reconhecido mérito, que tanto pode ser da cunha, ao favor de amigo, ou ao jeito do compadre. Moralizando mais ainda, estes que deveriam responder pela máquina, nem sequer estão integrados no sistema imposta das avaliações, com que se queria moralizar e requalificar a antiga máquina do estado.

As empresas estão em profunda crise, com trabalhadores com salários por receber, sem capacidade de pagar as suas obrigações quer a fornecedores de bens e serviços, como ocorre também, nas obrigações fiscais e nos pagamentos à Segurança Social, cerrando as portas de modo reiterado todos os dias desde há muito tempo. A isto se deve a existência de um tecido empresarial pouco qualificado e que sempre viu no investimento algum interesse desde que os lucros fossem rápidos, avultados, e fáceis, nem que para isso, se recorresse a maus salários, e num desleixo em matérias como a higiene, segurança e protecção dos trabalhadores. Juntou-se a incapacidade de se modernizarem, quer por desconhecimento e falta de preparação dos empresários, quer, muitas das vezes, por desinteresse.

Os sindicatos quase não existem, e alicerçam-se também numa complexa teia de quadros politizados que se garantem por longos períodos, profissionalizados, nas funções sindicais, longe da realidade do trabalho e das empresas. Grande parte dos sindicalistas permanece como forma de garantir uma forma de vida, afastados da vida laboral e das empresas, e olhados muitas vezes pelos trabalhadores como gente que por ali anda, a tratar de vida.

Muita gente deixou de acreditar nos partidos e na política. Sendo ideia comum que aquela gente anda por ali para amanhar-se, que na classe política, também as qualificações não são as mais recomendáveis, e que não há muito mais, nem a fazer, nem a esperar. Grande parte das pessoas deixou de votar. E existe a ideia que tanto faz, seja quem ganhe os sufrágios, e venha a governar, não deixará de fazer o que sempre se tem feito, isto é, muito pouco, e mesmo assim, o que se faz, mais valia não ter sido feito.

Alguns, acreditam mesmo que se a justiça funcionasse em Portugal metade dos políticos estariam detrás das grades, como se pode perceber pelo sempre crescente número de casos de casos entregues aos tribunais de corrupção, abuso de poder, peculato, e outros crimes envolvendo figuras ligadas a governos e ao poder local, como a nomes grados da nossa praça.


Praticamente ninguém é declarado culpado, e quando o é, apanha penas leves ou de pena suspensa, sendo rara a figura do regime efectivamente aprisionada. Julgados e condenados, metidos nas prisões, só mesmo os que não tem meios para se defenderem, sendo mesmo, parece já, injusto saber que existe pessoas no cárcere, quando existe tanto criminoso à solta.

Neste “Kampus Libertatis” preocupa-me o povo incauto e pouco exigente, essa massa de gente, que corre levianamente atrás de figurões sem qualquer moral, e os deixa com um espírito mais de exploração que de missão arruinar vidas e sonhos. Preocupa-me um país que definha, sem rumo, sem saber o que de facto deseja para o seu futuro, enquanto as pessoas vêem cada dia, como num jogo de sorte ou azar, minguar os seus rendimentos e direitos, depois de uma vida de trabalho, e de tempos de luta e de esperança.

Preocupa-me a liberdade, a atitude, a palavra e o medo. As pessoas não saem à rua a protestar, não gritam a sua revolta, deixaram de gritar o seu descontentamento com a mesma facilidade com que deixaram de bailar, ou de cantar. O país, que dizem os cultos e os do regime, é uma democracia e um estado de direito, voltou a estar amordaçado, calado, oprimido. Tem-se de novo, medo de dizer, de apontar, de esboçar um protesto. Com o silêncio de uns, e o cobarde assentimento de muitos, se espera um lugar num qualquer instituto para um filho que acaba os estudos, a benevolência do presidente da câmara, o favor do dirigente da empresa pública.

A imprensa parece ter alinhado com a camarilha bem instalada do estado que lhe acaba por pagar os salários, através da publicidade oficial e a de pedido, sendo que, ao contrário do antigamente, nos tempos do fascismo, em que se lutava duro, mas contra algo que possuía uma existência inquinada em ilegalidade e imoralidade, e que, deste modo, recolhia uma aceitação generalizada, agora, lutar contra um algo proveniente de um estado de direito e democrático, mesmo que igualmente imoral e ilegal, suscitará, de imediato, uma reprovação geral.

Por isso é o silêncio. Dizer alguma coisa resulta invariavelmente em calúnia rapidamente silenciada. Condenada. Aqui a justiça corre. E no isolamento.

Por isso “Kampus Libertatis” é uma isolada várzea, sem préstimo, onde se encontram, às vezes, palavras que aparecem, sem que se saiba bem a sua razão, crendo mesmo, que muitas serão fruto de ventos e tempestades, de dias de sol, de ignorâncias e inquietações. De pensares, assim, simplórios já se vê. Quimeras. Serão tão simples as letras e palavras que por aqui apareçam, tão sem importância será este campo, longe das vedetas televisivas, e dos senhores da guerra e do tacho, que creio vou ter noites de sono, e dias de paz.

Este tem de ser forçosamente um campo livre. Pequeno ou simples, fraco ou pouco importante, mas liberto. Sem a condição de escravo. Com liberdade… essa, bem essa liberdade que é tão cara ao ser humano, nunca poderá ser negociada, porque ela é essencial ao homem.

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