quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Desgovernos e promiscuidades...

Atendendo à confusão que sempre reina em embarcações à deriva, e à inegável parecença entre este pobre país e um qualquer navio perdido sem rumo e a meter água, não posso deixar de parar um pouco para tentar reflectir sobre o que se me afigura neste desatino que sempre conheci pouco mais ou menos assim, de um povo, tal como a tripulação da nave em perigo, à beira de uma catástrofe.

Não parece haver qualquer mando claro neste desordenado e desmotivado exército que recusa enfrentar qualquer inimigo ou a bater-se em monótona batalha, por todas e quaisquer razões, onde é bem visível a falta de qualquer ânimo, onde de pequeno se aprende, como a olhar ou a falar, tudo simples e fácil, a encolher os ombros, a deixar passar, em nada ver, em fazer apenas o que já se faz, e quando não se vislumbra meio de evitar trabalho, – é tão bom ser pequenino, e nada fazer – e que, como é bom de ver, não se recomenda.

Parece que deveria ser o governo a governar, mas logo se levantam pertinentes dúvidas ao ouvir que aquela gente recusa culpas no cartório, ou responsabilidades pelo que se fez, – e pelo que não se faz – parecendo, em boa verdade, que todas as asneiras que nos têm condenado a seguir amorfos na cauda da Europa, e só nos mantendo aqui, porque nos levam a reboque, são avulsas, sem dono, obra do Espírito Santo.

Também decorre de simples exercício lógico que os melhores governos dos últimos anos, ou do período simpaticamente designado de democrático, são sempre aqueles que menos duração tiveram, não porque em pouco tempo se pudesse assistir a um milagroso feito, de fazer e fazer bem, mas apenas porque o tempo para fazer porcaria, por reduzido, obrigou a sua produção a minguar. O que, já é positivo.

Em Portugal quando se fala em fazer reformas o povo teme, de imediato, pela desgraça que inevitavelmente não deixará de lhe cair em cima. Em nome da modernização, que não tem nada a ver com o nosso mundo, cada vez mais atrasado da civilização e do progresso, faz-se qualquer barbaridade, destrói-se, dando cabo do que ainda se fazia, mesmo que não tivesse grande qualidade, por algo garantidamente pior. É a nossa sina. Levamos a vida a reformar, e a dar aos que nos substituem novos argumentos, face aos resultados, para começar novo finca-pé reformista.

Os governos sucedem-se, entram como se tivessem acabado de ser esterilizados, sem mácula, virginais, e com o passar do tempo vão se conspurcando, ininterruptamente, até atingir um tal estado de podridão, que o povo, descolorido e sem cantar, vai a correr buscar aqueles que entretanto, depois de igual processo de decomposição e mau cheiro, estiveram em banho maria algum tempo, a ganhar brancura e saudável cheiro. Uns voltam à desgastante actividade de perder cor, ganhar cheiro, e vender a alma, a bem da nação, e por interesse público, procurando manter-se o mais tempo possível em aceitável estado de limpeza, enquanto os que saíram entregam-se pacientes a uma desinfecção, a uma lavagem, que levará tanto tempo, quanto o cheiro dos que ocupam a manjedoura pública, não se tornar totalmente impossível.

A alternância não se faz por um projecto, por uma ideia, por crer na capacidade de trabalho, mas porque a sujidade chega a tal ponto que tem de se fazer uma desinfestação e buscar substituto. Só crê nessa patranha do espírito de missão, na competência e dedicação, e da obra a fazer, quem também come do caldeirão e tem por isso interesse no cozido, ou meia dúzia de ingénuos distraídos. Naturalmente, os glutões, que sempre comem em qualquer panela, e comem de tudo, esperam tranquilos a mudança de cozinheiros, enquanto, sentados à mesa, ajeitam o guardanapo.

Os que chegam, descobrem quase sempre, depois de milhentos exercícios de pesquisa, que os que saíram deram cabo de tudo. Que é preciso mostrar eficiência, mando aprumado, sério, que se necessitam novas políticas, urgem tomar medidas, decidir. E como tudo estava no caos – Deus nos livre – vem aí os exorcismos.

E o mundo gira sempre assim. Saem e entram. Sem culpas nem temores, encantados e satisfeitos, consciências a brilhar, inocentes. Os outros, sempre os outros, que estiveram antes, da outra cor, da outra gentalha, irresponsáveis, é que deram cabo de tudo. E segue a contradança, com o povo cada vez mais pobre, com o número de pobres a aumentar, com as empresas a fechar, com as reformas a cair, com tudo a voltar ao tempo, não longínquo, em que, dentro de uma Europa que se mostrava ao mundo desenvolvida e justa, parecíamos uns mal educados maltrapilhos.

Parece desgovernar-se, nas alturas das decisões magnas, e nas repartições do estado, nos institutos públicos, nas empresas onde o poder mantêm os amigos e afilhados. Tudo muda, a uma velocidade expressiva, alterando todo um equilíbrio que levou séculos a tentar-se atingir. Para pior. Miúdos saídos dos bancos da universidade, ou corridos sem que se conheça a razão das empresas privadas, tomam de assalto os lugares de chefia e direcção no regafobe da coisa pública. E passam a dirigir, de um momento para o outro, indivíduos que tinham uma vida de dedicação à causa pública, e toda uma experiência acumulada. São os boys do regime, são os filhos dos amigos, são este e o outro, e mais aquele, que de modo inexplicável tomam o comando do país e das suas coisas.

Num caso especula-se que é uma cunha directa do governador civil, mais adiante sussurra-se na força e influencia da maçonaria, no outro a importância da opus dei, aqui fala-se nos filhos de uma amiga da presidente, ali no sobrinho do dirigente local, na namorada do filho, na filha da porteira, na amante, no tio, no amigo…

Nem se vislumbra em bom rigor a existência, como já em tempo se pensou, de uma partidocracia, que seria seguramente, do pior o menos. Estavam todos da mesma cor em um dado momento e quando se procedesse à troca por desinfecção do pólo principal, assistiríamos a uma troca por aí abaixo, de cor, em tudo e em todo o lado, o que ajudaria a manter o país limpo. Mas isso não ocorre, com a salada de pressões de todo o género, as trocas de favores, os que se metem do campo adversário – mais para conquistar a benevolência quando estes voltarem ao mando, que para mostrar isenção na escolha de gente, - com os a quem se devem favores, a família, o amigo, o lobby local, o regional, a instituição, ninguém se entende.

É a gente que comanda os destinos do país, a bem dizer, que asfixia o povo, emagrece o Estado, delapida o património, decide, manda fazer, coisa pouca ou nenhuma, que agita, que provoca, que transforma este canto do mundo, onde deveria ser belo viver, num país sem sonhos, sem equidade, sem leis, sem justiça, sem alegria e sem entusiasmo.

É essa gente, que não se entende bem quem são, tal a promiscuidade, e a imensidão de lugares de onde emergem, muitos sem qualquer qualificação, muitos sem qualquer moral, sem preparação, sem saber, que conduzem um povo, neste mundo cada vez mais competitivo, entre nações.

Portugal só poderá caminhar em frente, rumo a um futuro a que todos deveriam ter direito, quando se vir liberto de tanta falta de competência, da corrupção e do compadrio, quando as pessoas se envolverem em equipa na procura de alternativas, e se lancem ao trabalho, criando e entregando o seu esforço e o seu entusiasmo, em busca de objectivos claros, que sejam desejados e assumidos por todos. Uma grande equipa não deixará de fazer uma grande obra, mas para isso, todos, desde os que assumem maior protagonismo e dirigem ao mais pequeno executante, todos devem ocupar o lugar certo, para de modo concertado se proceder à verdadeira revolução de fazer andar uma máquina há muito emperrada.

Quando se conhecerem claramente as coisas e quem é responsável ou não por elas. Quando a irresponsabilidade seja chamada a prestar contas, e se exerça a coisa pública com princípios de seriedade, de ética e de dever pela boa governação.

Enquanto tudo continuar neste desnorte, em que nada é certo, nada é claro, ninguém tem culpas, ninguém sabe, ninguém quer, bem, enquanto tudo seguir assim, apesar do contentamento de uma minoria que não tem deixado de engordar, manteremos o país adiado, enfermo, sem capacidade de correr, de competir. E continuaremos a fingir que existimos, a ver passar os comboios, e a meter a cabeça debaixo da areia como a avestruz. Sem sonhos, sem riqueza, sem vida. Existiremos apenas…

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