terça-feira, 25 de agosto de 2009

Precisa-se um “Português Suave”

Desculpem, aqueles que por distracção entram aqui, neste espaço, que vaidosamente, rotulei de “Kampus Libertatis”, a maçada imensa que não é ler, tanta arrazoada, inconsequente, e tão sem graça, nem ciência, dum ror de palavreado sem fim. Pior mesmo é ter que ler tudo, creio que a pequeníssima maioria dos ínfimos leitores, abandona, entre um bocejo e um esgar de raiva, esse perder de tempo que é seguir palavra e mais palavra, sem rumo, nem sentido, a salto.

Este campo é mais que sair “a salto” – como procuravam os que no tempo do fascismo e de outras misérias, buscavam em terras distantes, um pouco de comida para os dentes e um sopro de dignidade – sendo, um verdadeiro pulo, no que se escreve, isento de esmeradas inspecções revisionistas ou pidescas, fora de controlo, num campo sem fim, pleno de tudo, que mais se assemelha em bom dizer, à liberdade.

Pode não existir aqui nem sabedoria, nem os requintes que a técnica introduz um pouco por todo o lado, nem o rasgo doiradinho de uma mente bem conseguida, mas, seguramente, o que se escreve, acaba por ser, uma mistura descontrolada de tudo o que se sente, o que se pensa, o que muitas vezes se procura esconder, e a almejada, sempre, razão, que tantas vezes procurava estar, mas não menos vezes, falta por culpa própria ou mesmo alheia.

Escrever é coisa de gente estranha, que procura num quimérico conjunto ordenadinho de palavras, uma finalidade, que muitas vezes nem se conhece bem, mas que existe, que está ali, por detrás da caneta, escondida, agachada entre as teclas do computador, e que saltando à luz, parte à conquista, de ganhos em bens, ou em satisfações, mais ou menos controláveis, em intelectualidades geniais, ou em musicalidades poéticas, de quem já não espera, nem sabe.

Escreve-se de e por tudo. Para dizer mal do vizinho que trocou o burro quezilento no curral, por uma garagem de mosaico e azulejo com um Mercedes dentro, luzidio e arrogante. Suja-se papel para enaltecer o compadre autarca que foi reconduzido mais uma vez para satisfação de um séquito de amigalhotes, de engenheiros de obra a aviar, e de outros que procuram manter-se, paulatinamente, à manjedoura atulhada. Diz-se muitas vezes mal da situação, da falta de genialidade, dos caminhos tortuosos por onde o país sempre desliza, sem que caía, ferido de morte. A escrita parece sarar as feridas que sempre teimam marcar o percurso de gentes e mundos, perdoa erros sem fim que nunca vamos deixar de fabricar, uns a seguir aos outros apesar das promessas, limpa manchas conspurcantíssimas, fétidas, e muitas consciências que de outro modo não conseguiam descansar em cada noite.

Escreve-se por vaidade, por conseguir em boa mestria resultados de excelência no entrecruzar de verbos com substantivos, e no meio da salganhada, catapultar dentro do alguidar do texto, adjectivos, de modo e de lugar, e afinal tantos outros que as gramáticas evitam, por exagero, desenrolar em público, e ainda, saltam, ali, bem à vista de todos os advérbios, os estilos, as acentuações, e as demais confusões que sempre se perfilam ao catalogar-se, por favor régio, a obra prima.

Escreve-se por revolta, por paixão, para conquistar sorrisos e aplausos, para ganhar respeito e honrarias, só não se escreve a mais das vezes o que deveria fazer-se, e de modo limpo, certo, audaz, escrever a verdade. Simples, sem quês, nem senões, tudo luz, de oiro, clara, sem dúvidas e sem erros.

Escreve-se, bem as palavras são como as cerejas, seguem-se em tal velocidade e sem parar, de tal modo, que transformo audaciosamente, tanto, como sem querer, nem saber, num descargo de consciência, num teclado meio doido, uma página qualquer, para encher o blogue.

Precisamente quando procurava dizer mal de tantos intelectuais de botica que pululam em cada lugarejo do país – pequeno mas cheio de espíritos prenhes de prendadas riquezas – que escrevem sobre o que sabem, pouco, como não sabem nada, muito fazem de adivinhação, e de procura, de ânsia, de descoberta. Assim nasce muitas das vezes o novo conhecimento, da procura, com ou menos ordem, som ou sem método, sem ou com saber, resultando da simples coragem de viver apregoando asneira, prometendo impossíveis, mostrando tolices.

Num país onde desde o jogador de bola, à apresentadora de programa de entretenimento, ao artista de folhetim e revista, ao cantor, todos escrevem livros, tudo escreve, tudo sabe, a grande dificuldade é a escolha, em bem rigor, do maior, já que, para bem de todos, muitos estão na nata, do saber e do conhecimento. O que dificulta a selecção, quando entre tantos se necessitam apenas um punhadito de gente capaz. É um país de magos, reis e piões, mas todos magos. Em equipa ou fora dela, sós ou com os amigos e a família atrás.

Preocupa-me este eterno exagero que sempre tivemos e que tanto nos tem dificultado o caminhar. De termos gente a mais sabendo tudo, génios em economia e finança mas que a bem dizer não teriam dificuldade em diagnosticar uma gripe, médicos e cirurgiões tão capazes de manter vivos sem prazo qualquer utente dos serviços de saúde como de gerir a Junta Nacional dos Vinhos ou um apeadeiro da CP, magistrados capazes de aviar com perícia e entusiasmo tanto um simples café com creme, como fazer a mais apaladada tosta mista com queijo flamengo y fiambre da pata de cervo, policias capazes de dar aulas de direito fiscal, e fiscalistas entusiastas das coisas da saúde oral, políticos mais interessados na coisa do alheio e que fácil desliza que no interesse público. Enfim, a nossa dificuldade é sermos muito mais e estarmos muito à frente, no tempo, na vida e na praça.

Por isso temos dificuldade em seguir o caminho, que para outro se afigura fácil mas a nós nos tolhe o passo, não por pequenez, é bom assinalar as vezes que necessárias se mostrarem, mas porque, a imensidão de competências que temos, o jeito, o zelo, o espírito de missão, a capacidade de trabalho… bem, em bom rigor, quando tudo isso se junta, como normalmente acontece com o mediano português, é a explosão tão intensa, tão virulenta de uma incontida genialidade que se afirma, que na maioria das vezes, recomendaria a prudência, para evitar os danos de tamanha potencia espalhada aos sete sentidos, não se fazer nada.

Procura-se gente. Deveria ser este o mote. Pessoas. Seres humanos normais. Para a governação do país, para a justiça, para a educação, para a saúde, para a polícia, para os campos. Sente simples, que dorme de noite, que descansa pelo menos uma vez por dia, que come, que arrota depois de comer, que toma um banhito de vez em quando (que isto de poupar água e velar pela manutenção da pele em condições tem que se lhe diga), que às vezes faz asneira, que pragueja, que grita. Precisa-se um português suave, daqueles de antigamente, do tempo da reconquista, ou dos descobrimentos, daqueles que se encolhe quando lhe grita a padeira, descontrolada, de pá nos ares, volteando sem direcção, mas que pela calada da noite a faz gemer, entre lençóis. Precisa-se o português de outrora, fadista, de nariz vermelhusco do tinto, brigão, bom companheiro e de palavra certa. O de hoje, sem palavra, pouco equilibrado, a cheirar a flores e em emersão de manhã à noite, paninhos de lã, sabichão, que treme cada vez que a mulher tosse, e se esconde da gritaria e das reivindicações dos filhos, esse, sábio, culto, moderno, consciente, amigo do planeta, ecologista, só nos poderá enterrar cada vez mais. Não porque não tenha soluções para cada coisa que deve enfrentar, mas porque ele próprio está muito acima de tudo isso, que nem chega a ver, quanto mais a cuidar.

Precisa-se de um português suave. Que, por favor, não saiba muito, nem seja moderno, nem de finanças nem de economista, nem saiba muito de coisa nenhuma. Só se pede que seja português, genuíno, das Beiras, ou do Alentejo, de Trás-os-Montes ou do Ribatejo, que seja suave, mesmo que pegue toiros, e queira governar, este país e esta gente.

Sem comentários:

Enviar um comentário