quinta-feira, 22 de junho de 2023

PODEMOS CONFIAR NOS CUIDADOS DE SAÚDE QUE NOS PRESTAM EM PORTUGAL?

 


Diana denunciou onze casos de alegada negligência médica e tentaram interná-la compulsivamente. “O erro não é discutido. Como se fossem todos impecáveis, cirurgiões que não falham”



Há pessoas que morreram, há pessoas que ficaram sem órgãos, há pessoas que ficaram com um dano corporal associado.


E todo o hospital conhece. O problema é este, é ser uma situação tão conhecida para todos os profissionais daquele hospital. Inclusivamente, muitos doentes já apresentaram queixas internas, queixas essas que acabam por cair no nada porque vão para o gabinete de cidadão. Não é reencaminhado para lado nenhum e recebem um pedido de desculpas por e-mail. Metem o pedido de desculpas ao bolso e seguem a vida com uma série de problemas associados ao que aconteceu.

“As queixas internas nos hospitais não dão em nada.”


No Amadora-Sintra, por exemplo, dois cirurgiões que até têm estado em contacto comigo e são pessoas que me têm apoiado bastante, eles denunciaram internamente. O que é que lhes aconteceu? Estão suspensos, os dois, do hospital, da prática cirúrgica. Um deles era diretor de serviço.

Eu fiz queixa na PJ e, no dia seguinte, encaminhei a queixa para a entidade reguladora da saúde e a ordem dos médicos. Depois foi a própria ordem dos médicos que encaminhou também para o IGAS, para a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde.

E, depois, no dia seguinte, que foi o dia a seguir a encaminhar a queixa, eu fui trabalhar e falei com o conselho de administração, com o diretor do internato, e diretor clínico, que inicialmente tiveram todos uma abordagem de choque, de não perceberem porque é que eu não fiz uma queixa interna. Eu não a fiz precisamente porque já sabia que não ia dar em nada.


(DA ENTREVISTA DE GOUXA A DIANA PEREIRA, TVI)


Trabalhei quarenta anos em instituições do SNS. Percebi enquanto funcionário e como utente do SNS que raramente as reclamações no Livro Amarelo produziam algum efeito. Sempre ouvi falar de médicos "horribilis" que desgraçaram muitos que ingenuamente e por falta de conhecimento se entregaram nas suas mãos. As queixas eram muitas. E não seriam exatamente as que deveriam ser por três motivos fundamentais, o conhecimento generalizado da inutilidade de apresentar queixa, a aceitação das más práticas por desinformação sobre as mesmas e o medo que os médicos ainda colocam sobre os cidadãos.


O que a médica - heroicamente - denunciou sobre a atividade "criminosa" de alguns cirurgiões no Hospital de Faro, de que resultaram mortes, falta de órgãos e sequelas para toda a vida dos pacientes, acrescida das queixas que ocorreram no Amadora- Sintra por situações similares, o que eu conheci e ouvi falar ao longo de tantos anos, levam-me a acreditar que tais horrendas práticas podem ocorrer em outros hospitais. Mas não são denunciadas como deveriam.

Salvo melhor opinião, o papel da Ordem dos Médicos que está inundada de queixas de atos clínicos, raramente é conhecido como salvaguardando os utentes do SNS, afastando médicos da sua profissão. Muitos com um longo histórico de queixas e ruinosas intervenções conseguem estoicamente sobreviver às tempestades e acabam as suas duvidosas atividades quando decidem, eles, se aposentar. Muitos ficam com graves sequelas. Uns nem chegam a saber, em bom rigor, o que aconteceu.

Acredito que os portugueses mereciam melhor. Deviam ser mais exigentes. deveriam ter uma entidade que séria e eficazmente atendesse as queixas protegendo os que as emitiam. 

A jeito de opinião, será que ultrapassa os preceitos constitucionais pensar em colocar câmaras de vigilância nos hospitais? Nos Estados Unidos, há algum tempo atrás, percebeu-se que uma utente morreu de noite no internamento sem que as enfermeiras de serviço tivessem ocorrido a prestar socorro quando o mesmo foi solicitado. A dita câmara esclareceu a verdade e foram tomados os procedimentos que a situação exigia. Para bens dos doentes. Que fiscalização temos em Portugal que defenda eficazmente os doentes dos atos médicos e outros que lhes são prestados no SNS.

Obviamente as Ordens profissionais não têm qualquer interesse em que se tomem medidas deste tipo. Vão considerar um atentado à dignidade dos seus membros, uma fiscalização inaceitável a pessoas acima das pessoas normais. Cairá como se diz vulgo, o Carmo e a Trindade. Pois o senhores doutores são dos poucos profissionais da administração pública isentos de avaliação anual. Porque? Do que têm receio? 

A Ordem dos Médicos trata primacialmente dos interesses dos médicos. Quando os casos ultrapassam a linha vermelha que eles próprios estabelecem, aparecem as sanções. Mas a grande maioria dos casos têm na mesma Ordem e naqueles que nela desempenham funções inspetivas, uma tolerância, que um rol de justificativas técnicas virá sustentar. Só depois de acautelar os interesses dos seus membros o SNS ganha importância e depois desta, e no final da linha estarão os cidadãos. 

Faz muito tempo que alimentava a ideia que as Ordens profissionais possuem poderes poderosos demais, que exercido entre colegas, acabava por, naturalmente, beneficiar os seus membros. Num Portugal democrático há que limitar, com inteligência e bom senso, o papel que as Ordens profissionais têm no papel que os seus membros exercem na sociedade portuguesa.

Por outro lado a simples existência das Ordens profissionais parece, como as vemos no nosso país, organizações elitistas de um grupo restrito de profissões, a que outras ambicionam conseguir chegar, sendo certo que democraticamente todas e quaisquer profissões deveriam poder ter as suas Ordens. Como entidades de ligação entre os seus membros, de acompanhamento das suas atividades, desenrolar atividades formativas, dar pareceres técnicos, e outros. Dar às Ordens plenos poderes como se tem revelado é um absurdo.

Temo, todavia, que nas alterações aos estatutos das Ordens que agora se levam a cabo, se possa assistir a um radicalismo tão natural no nosso país. Onde raramente se faz alguma coisa elaborada com rigor e capacidade de resistir no tempo, e quando se faz, muitas vezes tarde e a más horas, e tardiamente, não é bem feita.

A bem dos doentes, a bem do SNS e a bem de Portugal


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