Ator de 'Floribella' partilha carta de "suicídio metafórico"
"Estou nesta indecisão,
entre estar vivo e morto"
“Esta é a minha carta de suicídio metafórico. Os motivos são vários, desde a minha trágica história de vida, que teve a sua ascensão e a sua queda (que, se continuar vivo, cairá mais), à minha indecisão/ambiguidade. Sou inteligente (às vezes nem sei se sou) e consigo ter uma opinião tão acertada e real de tudo, até que acontece o contrário. E sempre o contrário.
Estou nesta indecisão, entre estar vivo e morto, feliz ou infeliz, inteligente ou burro, feio ou bonito, e tudo isto são opostos, não são sinónimos! Não aguento esta ambiguidade! Eu vim ao mundo para repor a ordem de tudo e isso inclui conseguir a felicidade dos outros para a minha miséria. E quando nos vemos bem não nos queremos aproximar do que é menos que nós.
Cheguei a um momento em que estou em casa, deitado na cama o dia todo a pensar no que fiz, no que não fiz e no que não vou fazer, porque é isso. Estou em casa À ESPERA que me respondam de um emprego! Duma coisa qualquer! Mandei o meu currículo para call centers, para ser vigilante, para cafés, para tudo que me sentisse bem a fazer! Não há uma resposta! (Nem vou falar de televisão porque não aguento ficar em casa meses à espera dum casting que sei que não vou ficar). Deem-me uma resposta!
Sou o Diogo Carmona! Não sou o Cristiano Ronaldo, nem a Cristina Ferreira, mas sou um jovem ator de 21 anos que faz isto desde os 5! Expliquem-me. Como é que isto chegou até aqui? Têm algum plano para mim? Querem-me ver ainda pior? Estão a conseguir.
Não suporto mais ver este país a dar mais dinheiro ao ricos e menos aos pobres, é o nosso instinto, como seres, repor o que está mal! Equilibrar as coisas! Como é que põem pessoas sem experiência e com um acting TERRÍVEL na televisão?
Ao ponto de egoísmo a que o ser humano chegou! Todos atrás do mesmo dinheiro, para conseguirem a fama que não é vossa, terem o sexo que não desejam e as posses que não precisam para, no final, irem todos parar ao meu sítio, dentro dum caixão ou duma urna.
Deveriam perder noção do tempo como perdi, implorar por comida, ter como único pensamento onde é que vão passar a noite de hoje. Não se sintam agradecido por aquilo que viveram porque, de todas as pessoas que me cruzei na vida, QUASE NENHUMA dá valor a isto. Cresçam! Independentemente da vossa idade. Morram para voltar a nascer.
Não tenciono qualquer tipo de proposta de trabalho ou palmadas nas costas ou facadas porque tudo isso é inútil. Mantenham-me no meu barulho/silêncio”*
* Jornal SOL
Li transversalmente esta carta. O assunto é trágico mas não é mostra de raridade alguma. O grito ou as mãos levantadas, em revolta, com um mundo que perdeu o sentido da humanidade, da moral, da ética, da cidadania, existe em muitos milhares ou muitos milhões de seres que no planeta terra percebem a decadência a que chegou o homem, a tristeza incompreensível dos seus atos, sejam desonestos, ou violentos, para subordinar a felicidade e a dignidade a poderes, a interesses a maior parte das vezes sem qualquer sentido e muita mesquinhez.
Nunca foi tão horrível ,existir. Nunca o mundo esteve de baixo de tantas ameaças de toda a ordem. As pessoas vivem rodeadas de ansiedade, de dúvidas e incertezas, e muito medo. Quando temos medo de existir, do que pode vir, do que pode ser o dia de amanhã, obviamente ficamos melhor no silêncio ou espalhando bombas por aí. Os valores estão em crise, vale tudo para vingar; lamber as botas aos políticos, ser escravo de poderosos, abdicar de uma personalidade sã e consistente, esquecer os conhecimentos e cair atrás da ignorância. O mundo está nas mãos da canalha. Pouco sabem, pouco conhecem, não têm cultura, sabedoria, mas aperfeiçoaram a arte de enganar, mentir, servir-se dos outros e florescer assim. Basta olhar para a classe política e ver a sua incompetência e inutilidade. Basta ver o modo como se faz o recrutamento para as chefias da administração pública. Basta olhar para o interior das prisões e ver os encarcerados. Percebe-se que a igualdade de oportunidades é uma provocação, a justiça uma brincadeira de entretenimento e a democracia não existe. Hoje, viver é uma aventura, bem pior que há séculos atrás quando os viajantes corriam sérios riscos de serem assaltados nas curvas das estradas ou no interior das florestas. Hoje, somos assaltados todos os dias, na carteira, nos empregos, na progressão nas profissões, na dignidade, na honra, na virtude. Meia dúzia de poltrões comandam a vida de todo um povo. Basta ver como desde a extrema esquerda até à extremada direita, passando pelos que nos governam habitualmente, existe um denominador comum,, todos estão unidos na corrupção, não falo na luta para que termine esse flagelo, mas nos silêncios, e no imobilismo para que não se tire esse maná que a tantos tem governado a vida. Hoje o triunfo é da incompetência, da ignorância, do que não pensa, do que não ousa falar, do que concorda sempre, e quanto mais canalha mais fortificará essa quadratura canalha que vai minando a sociedade e empobrecendo o país. Li esta carta transversalmente. Não tive coragem para ler palavra por palavra. Isso fere. E eu já conheço essas feridas, esses silêncios, esses desejos de partir. Mas a maioria mesmo que leia tudo quando acabar vai encolher os ombros e dizer, "mais um inadaptado, um fraco, um doente". E, vai continuar paulatinamente a viver alegremente a vida que temos de viver. Quase todos. Mesmo que a muitos, se fosse fácil, abandonavam esta tragédia e procuravam descanso em paz e amor perto de Deus. Ou num silêncio eterno.
Deus é amor, e o amor é divino, partir é deixar a perversidade, o mal, a ignomínia, para que se comam todos uns aos outros, e lhes fique o proveito. E, entre silêncios buscar nalgum lugar o amor que devia existir aqui.
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