terça-feira, 1 de setembro de 2009

Com crise e sem qualquer classe




Falta de classe

O engenheiro Sócrates perdeu a oportunidade de ser legitimamente considerado o melhor governante de Portugal depois do 25 de Abril de 1974. Poderia ter sido o primeiro ministro mais marcante positivamente falando do Portugal democrático. Teve coragem, trabalhou, fez, defrontou-se com as anquilosadas forças que sempre se revelam contra qualquer intenção simples de reformar, enfrentou a maior crise que fustigou o mundo nos últimos anos, mexeu e remexeu em muito que necessitava ser ser mexido, fez muito mais que qualquer outro antes dele, enfrentou importantes grupos e corporações, goste-se ou não dele, tem que se reconhecer que iniciou um caminho, não desistiu, fez obra. Todavia, corre o risco, será uma ironia da nossa história actual, de sair pela porta dos fundos, e de perder uma eleição para a governação do país, a favor de uma candidata a primeira ministra que em condições normais nunca governaria Portugal, por possuir uma imagem pública demasiado pesada e de outros tempos, e por passado em governos anteriores onde deixou marcas de pouca flexibilidade e sensibilidade, apresentando uma imagem de muita dureza e teimosia.

A culpa é toda dele. Sócrates foi longe de mais. Foi prepotente no trato, desafiou desabridamente demasiada gente. Foi inflexível e penalizou sem a menor sensibilidade uma quantidade de pessoas. Foi mais longe o engenheiro socialista, e enquanto arrogantemente defendia as suas políticas, não sem um sorriso hipócrita de quem tudo sabe e a quem todos têm de se submeter, ao mesmo tempo, apregoava trucidar gente, não desviar um milímetro do seu caminho, doesse a quem doer, tivesse ou não razão.

Estragou, como um menino de birras impaciente e mal educado, toda uma labuta que lhe chegou a granjear elogios das mais variadas instancias, nacionais e estrangeiras, ao levar, efectivamente, longe de mais, a sua teimosia, a sua inflexibilidade, o seu ataque a quem se lhe tentava opor, a sua arrogância.

Fez um ataque como nunca se tinha visto em Portugal aos funcionários públicos, que praticamente aniquilou por decreto, tendo, unilateralmente, alterado o seu tipo de vínculo com o estado, destruído as suas expectativas de carreiras, aumentado o seu tempo de trabalho para a reforma ao mesmo tempo que se diminuía o seu montante, isto, sem respeitar os direitos que muitos detinham por uma vida ao serviço da coisa pública e que de um momento para o outro se acharam, com o futuro virado do avesso, sem expectativas, e desrespeitados. Não ocultou a vontade de despedir a todo o custo, ignorando que seria mais sério deixar sair quem uma vida dedicou ao trabalho no Estado, que criar mecanismos de duvidosa legalidade para mais tarde lhes pregar um pontapé no traseiro.

Quando apostou na educação, fez o maior ataque e achincalhamento possível à classe dos professores, tornando-os pior que coisa nenhuma, sem qualquer valor, e desclassificados na praça pública. O povo assistiu atónito a professores impedidos de se reformar com cancro na língua, e outros casos semelhantes. Contra tudo e contra todos, desprezando um expressivo descontentamento que se manifestava como nunca se vira, um pouco por todo o lado, o ataque aos professores fez-se de todas as maneiras e sem qualquer respeito. Era malhar até poder; impor sistemas de classificação de serviço de duvidoso efeito e de uma complexidade e burocracia impensável; impor a destruição do sistema de carreiras trocando-o por um outro que não foi aceite por ninguém, foi asfixiar os professores horas e horas nas escolas, envolvidos em tarefas de todo o tipo; foi o confronto, excessivo, arrastado, mais vale partir que torcer, até onde desse.

Tenho para mim que um pouco de bom senso, que um pouco de humildade, que uma dose certa de diálogo, teria apaziguado a revolta nos professores, teria consolidado as reformas no sector, e teria galvanizado toda uma classe para um projecto da maior importância para o país que é ensinar e educar.

Igualmente penso que poderia ter-se evitado a destruição do “funcionário público” impondo-lhe, à força, um novo tipo de contrato unilateralmente e de duvidosa constitucionalidade, e deixando sobre a cabeça de tanta gente, a ameaça de um futuro sem qualquer segurança, e um sistema de progressões praticamente para meia dúzia de afilhados e escolhidos. Destruiu-se todo um sistema, que poderia necessitar de reformas, mas não de ser trucidado, deixando, curiosamente, como antes, os eleitos políticos, a servir sem qualquer exigência prática, fora do sistema que se queria moralizador das classificações, ou seja, do mérito como alavanca de progresso.

Esqueceu-se, por inconfessáveis interesses, a luta contra a corrupção e o compadrio que mina o país. Esquecem-se as legitimas expectativas e justos anseios de muitos jovens portugueses que desejavam ser médicos, num país onde, inexplicavelmente, não produzimos os quadros médicos que necessitamos, e depois de barrarmos o acesso aos nossos jovens vamos recrutar médicos de outros países e outras línguas.

A insegurança nas ruas um pouco por todo o país, e nos campos entre a gente mais idosa nunca foi tanta. A gente grada continua em estado de excepção, ziguezagueando com os tribunais e os códigos de leis, aparecendo nos telejornais, protegidas por nomes sonantes do direito, enquanto a arraia miúda foge da justiça como o diabo foge da cruz a sete pés. Condenam-se os pequenos por dá cá aquela palha, e conhece-se tanto figurão que se passeia feliz enquanto o respeito e a civilização exigiria que estivesse dentro. Os agricultores não têm onde colocar os produtos e empobrecem, ao mesmo tempo que se tem conhecimento público que o ministro da agricultura não aproveitou fundos comunitários que se destinavam ao melhoramento da nossa agricultura.

Fez-se muito, ignorá-lo não parece sério. Mas o que não se fez e que poderia facilmente ter sido feito, e todos os excessos que se utilizaram provocando revoltas injustificadas em muitos milhares de portugueses, acabaram por encher de sombras um governo que poderia brilhar. Teve tudo para isso. Infelizmente, por falta de classe, só nos espera a manutenção na sombra, por muitos anos - já estamos habituados a uma monótona e triste falta de inspiração luminosa - esperando ainda, esse Sebastião, que numa manhã de nevoeiro não deixará de vir governar este povo órfão. Tardará ainda esse dia, e até lá, muitas sombras, como estas por que passámos, não deixarão de tirar sorrisos aos portugueses. Nem de lhes dificultar o futuro.

Que país… onde, ou não se faz, ou quando se faz, melhor se nada se tivesse feito. Onde se perpétua a falta de classe, a falta de cultura e de educação, e onde, a arrogância, a prepotência, a teimosia, ainda são apanágio de muitos sequiosos de se afirmar. De outro modo, já se vê, manter-se-iam ignorados. Que país, que falta de classe.

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