Reproduzo hoje, aqui no meu blog, parte da análise publicada no Observador realizada por Alexandre Homem Cristo que tem o fito de questionar como um país à beira de uma situação de catástrofe (não apenas no que respeita à covid-19, mas geral) tem dinheiro para injectar na TAP, aumentando a sua participação ou a nacionalizando e, de uma maneira trágica não consegue ter o mesmo dinheiro para as questões mais básicas como a saúde, a educação, os transportes públicos nas grandes cidades e uma efectiva política de intervenção social.
Um país maltrapilho dá-se ares de rico e permite-se injectar milhões na TAP, não para resolver um problema mas para manter um rol de problemas pelo futuro fora. Recordemos o quanto essa empresa tem custado aos portugueses que nela têm enterrado milhões e milhões, quando depois se reclama dos protestos perante uma ineficácia geral na governação do país cujo governo sempre acaba respondendo não existir dinheiro.
A política pequena de gente de igual tamanho, os interesses instalados de corporações e grupos, a velha atracção de uma esquerda que se já não deveria usar pelas nacionalizações e pela intervenção na economia, as decisões absolutamente irracionais que nos levaram a negócios absurdos e ruinosos como o BPN, o BES, e outros, não têm servido de exemplo e Portugal continua sem verdadeira política de desenvolvimento e justiça social, cheio de idosos meio ao abandono, milhões de pobres, um gritante desequilíbrio entre o litoral e o interior, na distribuição dos rendimentos, nos acessos à saúde, educação, justiça...
A meia esquerda, de um PS igual a si mesmo e com os tiques do passado, apoiado pelos partidos mais à esquerda, o Bloco e os Comunistas, aproveitaram os anos de estrangulamento e asfixia dos portugueses por Passos Coelho, para depois do acerto da situação económica e financeira numa política espectáculo, cheia de meias verdades e cativações, não terem realizado reformas que dinamizassem Portugal, embrenhados em casos e mais casos como os dos incêndios, de Tancos, do desnorte agora, da pandemia que parecia milagre.
Acredito que no Governo apenas se esperam os milhões de Bruxelas. Acreditam as esquerdas que essa fortuna milionária e sem fundo vai dar para brilhar, adormecer a massa crítica (pouco dada a exercícios de pensamento sobretudo no verão com o calor e nos invernos com a preguiça de sair da cama), e com jeito vai manter a camarilha, os amigos, os correlegionários, a comunicação social, e por fim a perpetuação no poder.
A isso se reduziu a brilhante actividade política e governativa em Portugal. Fazer de ricos com o país na miséria, esperar de mão estendida a ajuda externa, e entreter a rapaziada para que ninguém pense que tudo está parado, - não me refiro à economia - falo do país, a administração pública, os acessos a cirurgias, a exames, a consultas. E tudo mais está a meio gás, ou simplesmente inacessível. Telefona-se a agendar na administração pública e invariavelmente ninguém atende. É do confinamento.
O covid-19 é a justificação para tudo. Mesmo onde, para alegria, ele não se manifestou ou o fez de modo pouco expressivo. Mas, mesmo aí, tudo emperrou. As pessoas parecem ter perdido a missão à espera que apareça um caso. E quando aparece, meu Deus, como arranca uma máquina absolutamente adormecida? Temos gente que espera horas e mais horas por acção, por uma medida, e tempos sem fim por testes, por atendimento, por protecção.
Mas nem tudo está ruim. Vamos ter a final da liga dos campeões em Portugal. Sempre temos bola. Nem a revolução beliscou esse adormecimento com o futebol. Hoje como antes ir à bola, ver futebol é importante, é essencial, levanta e ocupa presidentes da república e governantes. Portugal volta a brilhar no mundo, a final da Champios será aqui. Portugal é de facto fantástico, milagroso, e abençoado.
Quanto aos demais problemas temos tempo. Podemos pagar para a TAP como antes sem andar de avião. Uns sempre pagaram para os outros. E podemos ter pobres e não ter políticas sociais eficazes. Podemos tudo pois somos uma nação gloriosa, serena, mansa, que tudo pode e tudo aceita. Viva Portugal.
"Desde que a pandemia chegou a Portugal, na Saúde, realizaram-se menos 902 mil consultas e menos 85 mil cirurgias. Na Educação, existem evidências de crianças que estão sem contacto com a sua escola desde Março — isto sem contar com as que, tendo tido contacto, retiraram pouco ou nulo aproveitamento das actividades à distância. Nos transportes públicos, a sobrelotação e quebras no serviço são uma rotina antiga — nos últimos anos, em relação à CP e metropolitanos, foram abundantes as queixas sobre supressão de horários, atrasos sistemáticos ou carruagens avariadas.
(...)
Tem-se reflectido muito sobre as consequências da pandemia e o quanto esta destapou as desigualdades existentes na sociedade portuguesa — na estabilidade laboral, nas condições de vida, nos rendimentos, na capacidade de utilizar recursos digitais, no acesso a cuidados médicos ou a testes Covid-19. O que não se tem sublinhado suficientemente é que a pandemia também alargou o fosso que separa as elites (económicas, sociais e políticas) da população.
(...)
...essas elites não têm os filhos nas escolas públicas, não usam transportes públicos e não frequentam o SNS. Tudo bem — são escolhas legítimas. Mas o país e os seus desafios não podem ficar reféns dessa bolha social. Para além de todas as consequências económicas e financeiras, o actual debate sobre a TAP mostra que isto não é só um problema ideológico. É já um problema de falta de noção."
IN Observador, Alexandre Homem Cristo
2 Julho de 2020
A pandemia vista da bolha /premium
Só numa bolha social pode a TAP soar mais importante do que transportes públicos fiáveis e cuidados médicos sem atrasos. Isto já não é só um problema ideológico. É também um problema de falta de noção
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